quinta-feira, novembro 18, 2010

Darkstar – North


Uma música electrónica solene, de grande elegância, exposta em canções que respiram através de uma poesia ambiental em "North", o soberbo álbum de estreia dos ingleses Darkstar


Acontece quase sempre assim quando um projecto antes conhecido por criar música predominantemente instrumental parte para a feitura de canções. Quem viu nascer esse projecto tende a conceber que os Darkstar escolheram seguir uma via mais acessível, de aproximação ao centro. Mas ler o percurso dos ingleses dessa forma é simplista. O seu álbum de estreia, "North", é constituído por canções, mas não se pode dizer que sejam de um padrão facilmente assimilável. São recortadas, complexas, pop electrónica de rendilhados instrumentais, com muito tempo e espaço à sua frente, com influências de linguagens urbanas, e uma voz que parece neutra, robótica, mas capaz de expressar um naipe alargado de emoções.

Depois de uma série de lançamentos em formatos reduzidos, entre 2006 e 2009, para a editora britânica Hyperdub (a casa de Burial, Kode9 ou King Midas Sound), e de serem conotados com o dubstep, a linguagem britânica que é uma síntese mutante de electrónicas e ambientes densos, apresentam agora um álbum que é outra coisa, canções pop atmosféricas expressando inquietações humanas, através de variações computorizadas. Mas quando se fala de reinvenção com James Young - que lidera desde o princípio o projecto ao lado de Aiden Whalley - este prefere a palavra continuidade, apesar de agora o grupo contar com uma grande novidade: a voz de James Buttery.

"Já tínhamos trabalhado com cantores no passado, não foi a primeira vez. Nesse sentido existiu um trabalho de continuidade, mas claro que com Buttery foi diferente", diz James. "É uma progressão natural ter alguém connosco a cantar, apesar de ele ter chegado ao álbum já a meio, quando já tínhamos escrito todas canções. Para ele, a questão foi entrar nelas e sentir-se confortável com o que havíamos desenvolvido. Da nossa parte tentámos apenas que o ambiente sintético não se perdesse por completo, daí que a voz muitas vezes pareça diluir-se na instrumentação, fazendo parte integrante dela."

Influências

A voz de James Buttler é isenta, confunde-se com as texturas electrónicas, nesse movimento fazendo lembrar os conterrâneos The xx, embora a pop digitalizada com laivos de romantismo dos canadianos Junior Boys ou a electrónica obsessiva dos suecos The Knife também possam ser uma porta de entrada para o universo Darkstar. Eles que têm sido identificados com uma série de nomes pós-dubstep, pós-Burial, ainda não conhecidos do grande público, mas alvo da atenção dos circuitos melómanos da internet, como os Mount Kimbie do álbum "Crooks & Lovers", o projecto Balam Acab (do fantástico EP "See Birds") ou o jovem James Blake (do magnífico EP "Klavierwerke").

"Sinto que existe cada vez mais gente a criar música em Inglaterra que não está preocupada com dinamismos rítmicos, mas sim em criar canções mais tranquilas, talvez porque a música de dança a partir de determinada altura torna-se limitativa, pelo seu carácter funcional", diz James, quando o convidamos a reflectir sobre a realidade pós-dubstep, concluindo que para isso acontecer foi importante o primeiro álbum de Burial de 2006. "Esse disco acabou por abrir os horizontes de muita gente, inclusive os nossos."

Curiosamente, durante o processo de feitura do álbum, James confessa que os Darkstar se fartaram de ouvir house e tecno. Mas não só. Enquanto a maior parte dos músicos tem relutância em expor influências, como se criar não fosse uma desordem, ele tem prazer em fazê-lo, enunciando que ouviram imenso Burial, Radiohead, Japan, banda-sonoras de filmes ou Orchestral Manouvres In The Dark, "não para os reproduzir, claro, mas porque faz parte de um processo de procura que é importante."
"North" não é um conjunto de faixas. É mesmo um álbum. É o tipo de obra que se ouve do princípio ao fim de assentada. Existe um ambiente geral que sustenta todas as canções. "Acima de tudo quisemos criar canções onde a noção de espaço estivesse presente. Gostamos dessa ideia de que qualquer um pode submergir na canção, deixar-se ir, retirar dela o que lhe apetece. Mesmo se esse algo é emocionalmente negro, ou melancólico."

As letras são da responsabilidade do próprio James, que confessa preferir manipular sintetizadores do que escrever para exprimir o que lhe vai na alma. "Para este álbum, a maior parte das canções foram compostas ao piano ou à guitarra, o que constituiu novidade. Normalmente parto para a escrita depois da música estar criada. É-me mais fácil assim. Escrevo sobre o que me rodeia, sobre como me sinto em determinado dia ou sobre alguém em particular que conheço, mas o ambiente que me é sugerido é importante. A canção 'North', por exemplo, foi reescrita várias vezes, porque a sua base sonora também foi sendo refeita."

Os Darkstar vivem em Londres, mas as suas origens familiares provêm do Norte de Inglaterra. Do ponto de vista da música cidades como Manchester ou Liverpool são referências. "Há um lado comunitário muito grande nessas cidades e isso sente-se nas cenas musicais que acabam por aí florescer. Nos anos 80, por exemplo, toda a cena à volta da Factory, do Haçienda ou dos Joy Division era incrível em Manchester, o mesmo sucedendo em Liverpool."

Também dos anos 80 são os Human League, alvo de uma admirável versão para "Gold", um tema obscuro que o trio foi repescar, não necessariamente por admirarem o grupo em questão - "não gostamos de tudo, mas têm coisas interessantes" - mas meramente porque a versão criada lhes agradou. Nessa canção, como nas restantes, compõem uma pop serena, em estado de suspensão, com qualquer coisa de fantasmagórico.

James diz que o maior desafio foi resistir ao adorno desnecessário. "O disco demorou algum tempo a ser completado porque quisemos remover todas as impurezas", afirma. No final ficámos com uma pop solene, que parece passiva na sua forma precisa de estar. Mas não o é. É apenas uma leve sensação.



Sem comentários: