sábado, março 10, 2007

Jorge Palma - Só (1991)

Só é uma gravação em simultâneo, e em som directo, de apenas voz e piano. Uma revisita a temas de Jorge Palma que aqui atingem ainda mais profundidade e intimismo. Só partilha o fascínio despertado pelas obras mais sinceras, uma sobredosagem de talento de contador de histórias que se revela exposto, sem rede, equilibrado em cenários melancólicos, sedutoramente frágeis, marcados por pontuações de humor, sarcasmo, tudo assente numa coesão que torna o trabalho inabalável pela passagem dos anos. Esta poderia ser uma peça conceptual que utiliza o meio perfeito para contextualizar a preciosidade (a par da necessidade) que fomentou e foi fomentada pela história da gravação do som. O ritual envolvido na audição dos discos é realizado quase inconsciente por estes se terem tornado objectos tão comuns. Mas discos de referência como este fazem atentar esse ritual, transformando-se em objectos preciosos, quase pessoais, e indispensáveis. Um invólucro que protege um objecto simples, acentuando-lhe a fragilidade e o valor (medido numa escala criada pelos momentos proporcionados pelos primeiros fonógrafos); a expectativa e, por fim, a consequência da revelação do conteúdo: o efeito é marcante – para a música portuguesa, a década 90 e uma geração mais recente que assim descobriu o trabalho de Jorge Palma. Qual antítese da caixa de Pandora, tem com essa, porém, uma similaridade: o fomento, não de catástrofes, mas de um sentimento pouco nobre – este é um daqueles discos que não se emprestam.
(1001 Discos para ouvir antes de morrer)



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